E depois do Dólar?
Quanto mais alto sobe, maior a queda, é um provérbio que se pode aplicar ao dólar. Pois o Império americano, a completar um século de hegemonia, dá demasiados sinais de estar já para lá do seu auge e o declínio parece, enfim, inevitável. Arrastando nisso a actual ordem mundial e o papel do dólar como moeda global.
Mas há mais, só para animar um pouco os esquerdistas, também se pode dizer que, contrariamente ao que parecia no fim da guerra fria, foi o marxismo a fragilizar os EUA. O que os esquerdistas já não gostariam de admitir, é que foi a implementação de socialismo no ocidente, com elevados impostos, falta de liberdade e regulação sufocante, a desmoralizar o império americano.
Se algo é eterno, não será o caso de governos monstruosos com exércitos gigantes e multidões de burocratas insaciáveis. Posto isso, é mais do que garantido que os EUA, como todos os impérios globais antes deles, terá de cair. Também parece razoável que, um século é um bom prazo para esgotar as energias de uma potência mundial, consumida pelo egoísmo e preguiça dos rentistas. Igualmente claro, é que o dólar só é dinheiro porque o governo dos EUA tem poder, como tal, assim que o império desvanecer, a moeda evapora. Posto isso, o que se segue? Se quando o dólar sobe o Bangla desce, o que irá subir quando o dólar cair?
- Ainda o dólar
De longe o cenário mais provável é o dólar continuar a ser a moeda de referência por muitos bons anos, décadas até. Pavia não se desfez num dia, Roma demorou mais de 200 anos a cair e até depois dos bárbaros a invadirem, o Solidus, a nova moeda da nova Roma, Constantinopla, ainda reinou por mais 500 anos.
Assim, não só o dólar pode cair por muito tempo, vindo de tão alto, como cairá menos que todas as outras moedas de outros governos, todos eles ainda piores que o americano. Como também, e mais importante, o Dólar não cairá de todo enquanto não houver uma moeda alternativa viável. Qual?
- O yuan é made in china
Os impérios globais, bem como as suas moedas, sucedem-se: Portugal, Espanha, Holanda, Inglaterra, EUA. Foi assim e assim será. Para ocupar o vazio de poder deixado pelos americanos, haverá uma potência emergente para instalar e sem dúvida que a China é o maior candidato, não fossem os chineses escravos.
A inegável evolução da China deve-se à intensa liberalização da sociedade pós-Mao, que resultou até que parou. A China de hoje é mais autoritária do que era há 10 anos e isso nota-se na quantidade de elefantes brancos, cidades fantasmas, crédito mal parado, confinamentos homicidas e, grosso modo, incompetência generalizada, que impedem a China de se assumir como o sucessor dos Estados Unidos.
- Os BRICs sem fundações
China, Índia, Rússia e Brasil, juntos, têm quase tudo o que precisavam para fazer uma potência dominante mundial, recursos naturais, ambição, escala, energia, dinamismo, mas falta uma coisinha só: Confiança, que é como quem diz, o essencial.
Uma moeda é nada mais do que o recipiente da confiança de que alguém vai valorizar o que outro tem para dar como meio de pagamento. No caso das moedas governamentais, essa confiança é imposta pelo governo. O Dólar vale porque todo o mundo quer vender coisas aos americanos e confia que os americanos um dia mais tarde vão aceitar os dólares de volta como pagamento. Os países BRIC não confiam uns nos outros e não é seguro que todos se abstenham de roer a corda, esbanjar o crédito, depreciar, uma eventual moeda única que eles pudessem vir a criar. Tal e qual sucedeu com o Euro, como as crises dos PIGS em 2011 e consequente desvalorização em 2022, abundantemente demonstraram.
- Os tempos dourados não voltam para trás
As anteriores potências mundiais contavam com o Ouro, mais os seus 5.000 anos de história a ser dinheiro, como lastro das suas promessas. Em teoria poderia voltar a funcionar, mas a probabilidade é baixa, pois por alguma razão o ouro passou de moda, primeiro como meio de pagamento, depois como reserva de valor e, agora, até a joalharia está a ficar pirosa. A explicação é que não dá para enviar pepitas por telegrama, logo, o ouro não funciona no mundo moderno.
Para complicar e de forma contra-intuitiva, o facto de os governos controlarem a maioria do ouro existente, serve como obstáculo à volta do brilho monetário à pedra amarela. Se o ouro voltasse a ser aceito como garantia de pagamentos, os grandes governos poderiam sabotar esse mercado, com ouro de papel, coisa que aparentemente até já fazem.
- Um saco de mercadorias ou de gatos
Uma possibilidade, meio fictícia, proposta por Zoltan Pozsar, analista chefe do Credit Suisse com nome de personagem do Game of Thrones, seria a instituição de uma sistema monetário garantido pelo pagamento em commodities. Petróleo, Ferro, Picanha, Azeite, etc. À superfície parece lógico, até porque já é em parte realidade. O Rublo tem valorizado porque em troca de Rublos, as estatais russas vendem petróleo. Poderiam expandir essa abordagem para outros países e outras mercadorias, não fosse o exemplo da Venezuela, com simultaneamente as maiores reservas de petróleo do mundo e a moeda mais maltratada, a demonstrar que este não é um esquema confiável. De novo o problema da desconfiança no governo, que é como quem diz, de depender da honestidade dos políticos
- E Bitcoin, claro
Não está perto de acontecer, mas pode e só o Bitcoin pode. Até se pode argumentar que, só porque o Bitcoin não está pronto, é que o dólar se vai prolongar como moeda de reserva mundial. Ainda assim, o Bitcoin é o maior candidato, a prazo, um prazo bem longo, para substituir o dólar. Pelo lado das desvantagens tem a expressão insignificante, utilização residual e imersão num cripto-mercado rico em esquemas mirabolantes de enriquecimento rápido. Problemas reais que impedem o Bitcoin de ser um candidato viável.
Por outro lado, o Bitcoin funciona sem fronteiras, indestrutivelmente, com base em fórmulas matemáticas invioláveis e ninguém tem o poder para o derrubar, ou seja, não depende da honestidade dos políticos.
Ora aí está, todos os outros candidatos a serem a futura moeda de referência mundial estão na mão de governos que sempre conseguem ser piores, mais esbanjadores e tirânicos do que o Tio Sam e, como tal, não servem como alternativa aos gastos excessivos e abusos de poder que ameaçam o dólar. Excepção feita ao Bitcoin, que é livre, inviolável e talvez numa década, ou duas, seja a solução.
Informação complementar: Vale a pena ver o vídeo de Ray Dalio, explicando as bases para a mudança da ordem mundial: