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Luís Gomes
Luís Gomes
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A queda da StableCoin UST do blockchain Terra em Maio do presente ano e a recente falência da Bolsa de Criptomoedas FTX veio trazer um “manto de suspeição” e desconfiança à indústria de Criptomoedas. As ondas de choque desta falência arrastaram igualmente outras entidades para a insolvência, como é o caso, entre outros, das empresas Blockfi e Gemini (Fintech).  

De imediato, assistimos a pedidos de regulação e de supervisão da indústria, incluindo a extensão do seguro de depósitos às StableCoins, tal como acontece para os depósitos bancários junto de instituições financeiras.

Saiba mais sobre stablecoins em: Mas afinal, o que são stablecoins?

Estes movimentos vieram agudizar a desconfiança existente sobre algumas StableCoins, em particular sobre o Tether (USDT), que leva dias sem cotar à paridade ou acima desta, como acontece com a USD Coin (USDC).

Por que motivo os principais protagonistas do sistema financeiro tradicional, banqueiros centrais e supervisores financeiros, continuam tão preocupados com as StableCoins, quando estas são praticamente irrelevantes face à dimensão do sistema financeiro?

Recordemo-nos que à data em que escrevo, as duas principais StableCoins, o Tether (USDT) e o USD Coin (USDC), ambos indexados ao Dólar norte-americano (USD), possuíam uma capitalização bolsista de 65,3 mil milhões de USD e 43,8 mil milhões de USD respectivamente. 

Assim, basta utilizarmos uma das grandes multinacionais norte-americanas, como é o caso da Tesla, para deitarmos por terra o mito do “perigo” das StableCoins; apenas esta empresa fabricante de automóveis eléctricos vale 579 mil milhões de USD, 5,3 vezes as duas principais StableCoins consideradas em conjunto!

Que debilidades são apontadas às StableCoins, para além do mito do “risco sistémico”?

Stablecoins indexadas ao USD

Em primeiro lugar, a qualidade do activo subjacente ou mesmo a sua inexistência. No caso do UST do blockchain Terra, ao ser uma StableCoin algorítmica, significava que a oferta era reduzida quando havia pouca procura e vice-versa, por forma a gerar um ajustamento do preço e manter a paridade 1:1 com o activo subjacente – neste caso o USD.

O algoritmo do UST também usava um token âncora, por forma a gerar oportunidades de arbitragem, com era o caso do token nativo Luna do blockchain Terra. Se o UST perdesse a paridade, ou seja, cotasse abaixo de 1:1 frente ao USD, de imediato havia venda de Lunas e compra de USTs, reduzindo o preço de mercado do primeiro e fazendo subir o preço do segundo, com o propósito de recuperar a paridade. No entanto, o algoritmo na teoria parecia perfeito; na prática, tanto o valor de mercado do UST como da Luna não cessaram de cair, gerando aquilo que podemos designar: a “espiral da morte” – foi o que efectivamente levou à sua queda.

Em relação ao DAI, outra StableCoin indexada ao USD, este utiliza Criptomoedas como reservas; como funciona?

Cada nodo emissor de novos DAIs tem de bloquear Criptomoedas, podendo ser Bitcoins ou Ethereums, por um valor de mercado superior a 1 DAI; ou seja, terá de deixar como colateral um valor, por exemplo, em Bitcoins correspondente a 140%; caso o valor do Bitcoin desça, provocando a queda do colateral abaixo, por exemplo, de 110%, deverá ser liquidado, com a destruição de 1 DAI, a não ser que mais colateral seja aportado e bloqueado como reserva. O risco aqui reside numa queda abrupta do preço de mercado do colateral.

Em relação ao Tether e ao USD Coin, ambas, em lugar de activos virtuais, utilizam instrumentos financeiros tradicionais – depósitos bancários e títulos de dívida – como colateral; a maioria é constituída por depósitos bancários ou títulos de dívida, como papel comercial ou obrigações do tesouro norte-americano. 

Aqui, igualmente, residem vários riscos: 

  • de contraparte, ou seja, o banco onde existe um depósito em USDs entrar em falência; a entidade que possui a custódia dos títulos de dívida tornar-se insolvente e fazer desaparecer tais valores mobiliários; 
  • de crédito, neste caso, a entidade que emite o papel comercial torna-se insolvente, não sendo capaz de honrar o serviço de dívida;
  • de mercado, o valor de mercado, por exemplo, de uma obrigação usada como colateral desce, fruto do aumento das taxas de juro, provocando uma queda do valor de mercado do colateral, insuficiente face ao número de unidades de StableCoin emitidas;
  • operacional, que resulta de uma “desorganização” da entidade que emite a StableCoin, pois não possui um controlo exaustivo e não auditado das reservas que possui face aos tokens que emitiu. Quem não se recordo dos riscos operacionais em que incorreu a FTX, algo já admitido pelo seu ex-CEO: Samuel Bankman-Fried;
  • de maturidade, no caso de ocorrer uma “corrida ao banco”, ou seja, todos solicitam à entidade emissora da StableCoin a conversão dos seus tokens em USDs, isto é, moeda fiduciária, podendo não ser possível a conversão imediata dos títulos de dívida em sua posse em moeda fiduciária – vamos imaginar que os títulos de dívida são amortizados ao final de muitos anos.

Apesar dos problemas acima descritos, as StableCoins vieram provocar duas disrupções importantes, talvez a razão para tanta celeuma:

  • o restabelecimento do mercado de poupança, em que as taxas de juro são determinadas pela oferta e procura por aforro;
  • um meio de pagamento concorrente aos oferecidos pelas instituições financeiras tradicionais. 

O mercado de poupança foi destruído por dois aspectos: 

  • Pela prática de reservas fraccionadas; quando um banco comercial emite dinheiro, em lugar de realizar um empréstimo com base numa poupança captada, está a aumentar a quantidade de crédito face à poupança existente; por outras palavras, a maioria do crédito na economia resulta da criação de dinheiro pelos bancos comerciais, em lugar da existência de poupança acrescida. Com a expansão artificial do crédito, o preço deste desce, pois existe maior oferta, destruindo os aforradores, pois são remunerados a taxas de juro inferiores;
  • o intervencionismo dos Bancos Centrais; quando o Banco Central decide fixar preços, em particular taxas de juro inferiores àquelas que existiriam num mercado livre, ocorre um sinal errado à economia, dando a entender que existe um excesso de poupança, gerando maus investimentos e solicitações de crédito que no futuro tornar-se-ão impossíveis de devolver.

As StableCoins vieram não só eliminar a volatilidade associada às Criptomoedas. Vieram também restabelecer o mercado de poupança, onde o aforro pode ser correctamente remunerado, em lugar de taxas de juro manipuladas por Bancos Centrais e bancos comerciais.

Mas não só: também estão a constituir-se como um meio de pagamento alternativo. A utilização do USDC no Apple Pay, recentemente anunciada, pode ser igualmente uma série ameaça à quota de mercado que a banca tradicional dispõe no mercado de meios de pagamento.

Destaques Autor
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Luís Gomes

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