Dá para quantos?
Poucos minutos depois de Satoshi Nakamoto publicar o white paper do Bitcoin e lançar o futuro, James Donalds, outro programador anónimo, que poderá ser um pseudónimo do criador, respondeu: “Muito bem, precisamos de um sistema assim, mas não parece ter boa escalabilidade”, que é como quem diz, o Bitcoin está limitado na velocidade e quantidade de transações que pode executar.
Esse comentário, como quase tudo o que aconteceu naquelas semanas à volta do ano novo 2009, revelou-se premonitório. E o tema da escalabilidade do Bitcoin e demais criptomoedas virou um desafio recorrente e fonte de especulação e competição.
Tanto assim, que o comum dos mortais deverá ter contactado com a habitual desinformação prestada pelas televisões e apareceram imensos cripto-projectos de valor duvidoso, apostados em resolver o problema das transações por segundo.
Segundo o que se vê na TV o Bitcoin estaria condenado ao falhanço por apenas realizar 7 transações por segundo. E o Ethereum não seria muito melhor, com as suas 20 transações por segundo. Números amadores, se comparados com as robustas 24.000 transações por segundo da rede Visa.
Com estes números, as criptomoedas estariam condenadas à irrelevância desde a nascença, de que serve uma nova tecnologia capaz de 7 quando outra já existente entrega 24.000? E nem as novas redes de criptomoedas pareciam resolver o problema, Algorand, Avalanche, Polkadot, aceleraram as 20 transações-por-segundo do Ethereum, mas não passam de 1.000 a 4.000 TPS, bem menos que os números da rede VISA.
Ora, os números não mentem, mas os mentirosos usam números. E como as TVs já nos habituaram, se insistem em alguma coisa, deve ser batota. E, sem surpresa alguma, a realidade é que os valores de transações por segundo são irrelevantes e nem sequer comparáveis. Ora vamos lá ver.
Para entender toda esta questão, ajuda ter uma ideia de o que é e como funciona um Blockchain. A coisa, tal como o nome indica, é uma cadeia de blocos, onde cada bloco contém informação sobre as transações comprovadas. Cada bloco é produzido (diz-se minerado) a um intervalo de tempo pré-determinado (14 segundos no Ethereum e 10 minutos no Bitcoin) e cada bloco tem espaço para um número não muito variável de operações (cerca de 1500 no Bitcoin). É, portanto, com base nestas informações (número de blocos por hora e quantidade de operações que cabem nos blocos) que se calcula os tais 7 ou 20 TPS, transações-por-segundo.
Felizmente, Transações é um nome equivocado. Uma operação no blockchain não se compara com um pagamento na rede Visa, mas sim com a emissão da fatura mensal de um cartão de crédito. Como toda a gente sabe, os cartões de crédito acumulam as transações no dia-a-dia e só se concretizam ao fim do mês. Vai daí, onde a Visa demora um mês, o Bitcoin demora 10 minutos e o Ethereum 14 segundos. 1-0 para as criptomoedas.
Mas não se fica por aqui. Da mesma forma que a rede Visa permite fazer inúmeras transações até ao limite de crédito, que só são concretizadas a cada fecho mensal na fatura do cartão, as redes Ethereum e Bitcoin podem e têm camadas adicionais, as chamadas Layer 2, para fazerem múltiplas transações, rápidas e baratas. No caso do Bitcoin, o Layer 2 mais popular é a Lightning Network, LN, que permite, ao dia de hoje, os menores custos de qualquer meio de pagamento existente. Uma transação na LN custa entre 2 ou 3 sats (0,1 centavo) enquanto na rede Visa custa 2% a 5% do valor a pagamento. 2-0 para as criptomoedas
Um detalhe precioso, e contra-intuitivo, é que essa coisa da Layer2 não estava prevista no white-paper, nem tinha sido inventada ainda quando o Ethereum foi lançado. Só em 2017, por iniciativa de um par de programadores geniais, Joseph Poon and Thaddeus Dryja, é que o Bitcoin passou a ter uma segunda camada. E, até agora, o Ethereum 2.0, essencialmente uma desmultiplicação em camadas da rede Ethereum, continua em desenvolvimento. Isto é importante para demonstrar que as criptomoedas ainda estão a ser inventadas, é demasiado cedo para sequer compreender todo o seu potencial, quanto mais para dá-las por limitadas. Criptomoedas 3, Moedas governamentais, 0.
Mais importante ainda, aquilo que de facto distingue as criptomoedas de qualquer sistema de pagamentos ou transações não é a velocidade, é a segurança. Tanto faz se é possível ter 10 ou 1000 transações por segundo, se essas transações são inseguras e se perdem, ou os banqueiros fazem batota. Transações rápidas e baratas, são a cereja no topo do bolo. O que importa mesmo é a certeza de onde anda o dinheiro. Se por acaso deu-se conta que os bancos estão sempre a precisar de serem salvos, como foi o BES e o BPN, é porque, ao contrário das criptomoedas em que, pelo menos a cada 10 minutos, são completamente auditadas sem margem para erro, na banca tradicional, ninguém faz a menor ideia de onde anda o dinheiro, que é como quem diz, está todo gasto e o banco precisa ser salvo. Resultado, 4-0 vitória total das criptomoedas no futuro do dinheiro.