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Recentemente, no blog do Fórum Económico Mundial (WEF), foi publicado um artigo a respeito das Moedas Digitais dos Bancos Centrais, definidas pela sigla CBDC (Central Bank Digital Currency).

O estudo que suporta o artigo, curiosamente financiado pela Fundação Melinda Gates, fornece-nos um gráfico – ver Figura 1 – que nos parece no mínimo estranho: propõe a possibilidade de custódia própria junto do Banco Central, no caso português, no Banco Central Europeu (BCE).

Figura 1

Como quase sempre ocorre com estes temas, as CBDCs, segundo os autores do estudo, apareceram com um único propósito: serão criadas para o nosso bem! Aparentemente, o único objectivo que guia os proponentes das CBDCs é o aumento da inclusão financeira, pois existem milhões de pessoas que vivem nos países em vias de desenvolvimento sem conta bancária.

O estudo começa por explicar a diferença entre o numerário – dinheiro físico – e o dinheiro digital.

No caso do primeiro, permite a custódia própria (o meu bolso, o cofre lá de casa…), por conseguinte, representa a total soberania sobre o dinheiro, pois não há dependência de terceiros para se dispor do mesmo.

Como em tudo, há aspectos negativos

Em relação aos aspectos negativos, podemos apontar o risco de roubo ou de perda, bem como a incapacidade de enviar dinheiro à distância, apenas acessível ao dinheiro digital, que pode ser transmitido electronicamente.

Apesar de também referirem que o dinheiro físico proporciona o total anonimato, atendendo que uma transacção não deixa qualquer rasto, parecem preocupados com as hilariantes histórias domésticas dos homens na Indonésia; aparentemente, não gostam que as suas mulheres lhes vasculhem os bolsos à procura de notas! É sempre pungente tais preocupações.

As vantagens do dinheiro digital

No que respeita ao dinheiro digital, como já referido, tem a enorme vantagem de poder permitir a transferência electrónica de fundos, não havendo necessidade da presença física das duas partes. Posso enviar dinheiro a um brasileiro, a um chileno, a um chinês, por via electrónica, dando uma instrução ao terceiro a quem confio os fundos para que procede com uma transferência.

Acontece que até ao aparecimento das Criptomoedas – surpreendentemente nunca mencionado no estudo –, o dinheiro digital obrigou à abertura de uma conta bancária junto de um terceiro, seja num banco ou numa entidade de moeda digital, entre outros.

Para se efectuar uma transacção, a entidade terceira é sempre obrigada a cumprir três etapas:

– Autenticação, por exemplo, através de um pin, palavra-passe ou cartão de cidadão;

– Autorização, para verificar se existe saldo suficiente ou se a conta possui alguma restrição que impeça a execução, nomeadamente se está congelada ou não autorizada, em virtude de alguma restrição imposta ao cliente pelas autoridades ou mesmo pela entidade que guarda os fundos;

– Execução, passando pelo envio e liquidação da transferência; no caso dos bancos da zona Euro, o saldo junto do BCE é alterado; o que envia, sofre um débito, o que recebe, beneficia de um crédito na sua conta.

Por outro lado, uma transferência pode ser sempre revertida, caso as duas entidades terceiras, o que envia e o que recebe, se ponham de acordo em relação a uma queixa por parte do ordenante – as chaves da sua conta foram roubadas, foi vítima de fraude, etc. Uma importante vantagem apontada, para além de que a perda das palavras-passe de uma conta pode ser sempre recuperada através da minha identificação.

E as suas desvantagens

Irei agora listar as desvantagens do dinheiro digital.

A principal é o risco da entidade terceira poder falir ou defraudar os seus clientes, como foi o caso da FTX, liderada por Sam Bankman-Fried, ou do BES. Atendendo à prática de reservas fraccionadas, os bancos são entidades permanentemente insolventes, dado que são incapazes de devolver o valor inscrito em todos os extractos dos seus clientes em dinheiro físico – na possibilidade de uma corrida ao banco.

Por esta razão, foi necessária a existência de um Banco Central para coordenar esta prática, eliminar o padrão-ouro e policiar de forma permanente a actuação dos bancos, com os consequentes custos – caríssimo, dado o número de funcionários e elevados salários dos supervisores.

Não falamos apenas de riscos de insolvência, também podem ocorrer erros operacionais e dificuldades de comunicação entre as entidades terceiras. Qualquer banco está sujeito a um erro humano, podendo ocorrer negligência ou distração na hora de digitar o valor de uma transferência ou no momento de a autorizar – não verificou, por exemplo, que o beneficiário estava numa lista negra.

Por outro lado, os sistemas das diferentes entidades têm de se comunicar, ou seja, têm de estar interconectados. No mundo ocidental, temos o caso do sistema SWIFT, que permite a liquidação de transferências entre as diferentes entidades bancárias. A hegemonia deste modelo, liderado pelos EUA, representa um perigo para muitos países, pois podem sempre ser ameaçados com a respectiva exclusão, como foi o caso recente da Rússia.

Por fim, a perda de privacidade, pois a transmissão electrónica deixa inevitavelmente rasto, ou seja, gera dados (hora, valor, ordenante…). Quando os bancos suíços protegiam efectivamente o anonimato, as contas eram numeradas e não nominativas; no entanto, a partir do 11 de Setembro, o combate ao branqueamento de capitais e prevenção do terrorismo tornou-se um tema dominante, obrigando ao desaparecimento das primeiras.

Em resultado disto, as entidades terceiras, como é o caso da Criptoloja, são obrigadas a apertados controlos, nomeadamente em relação à identificação dos seus clientes. Este é um dos problemas apontados no estudo para a reduzida cobertura do sistema bancário em certos países (ver Figura 2).

Figura 2

Não é uma casualidade que o ex. primeiro-ministro britânico, Tony Blair, em pleno encontro anual do WEF em Davos, tenha apontado a identidade digital como um dos temas mais relevantes, aproveitando a experiência dos passaportes vacinais durante a crise Covid-19!

Por fim, pode sempre haver uma ruptura da confidencialidade dos clientes – vamos imaginar um funcionário bancário que subtrai os dados de vários clientes e os divulga na Internet –, ou pode partir do próprio cliente (por exemplo, entregou as palavras-passe da conta bancária a terceiros), resultando no elevado impacto precisamente nos mais vulneráveis, como idosos ou aqueles que apresentam menor literacia informática.

O que este estudo ocultou foi a revolução originada pelas Criptomoedas, em particular com o aparecimento do Bitcoin. Pela primeira vez, tal como acontece com o numerário, o dinheiro digital passou a possibilitar custódia própria – a tal possibilidade apontada pelo estudo.

Assim, não necessito de um terceiro para a guarda do meu dinheiro, bastando controlar as chaves-privadas de um dado endereço (wallet); sou absolutamente soberano sobre o meu dinheiro. Não existe nenhuma entidade, seja governo, autoridade ou banco que logre congelar, penhorar ou bloquear um endereço (wallet) com uma chave-privada por mim controlada.

Obviamente que este movimento de custódia própria irá obrigar a novos conhecimentos por parte dos clientes e um enorme cuidado na guarda das chaves-privadas (pode-se esquecer, perder ou ser sujeito ao roubo das mesmas). Isso está a ser realizado pela Criptoloja, tanto através de cursos, como pela ajuda na configuração de uma carteira nas suas instalações.

A possibilidade de enviar electronicamente fundos durante 24 horas por dia, 7 dias da semana, sem olhar a fronteiras ou sistemas de interconexão, sem a intervenção de um terceiro, é o maior trunfo das Criptomoedas e do Bitcoin.

Como tal é possível? Através da tecnologia blockchain. Não é necessária a intervenção de um terceiro para intermediar uma transferência de dinheiro. Foi esta inovação que tanto incomoda os poderes instalados; deixaram de ser necessários, tanto para a guarda como para o envio de dinheiro.

A ameaça a um monopólio de séculos provoca um enorme nervosismo, que se defende através da não prestação de serviços a entidades registadas junto do Banco Central, como é o caso da Criptoloja, para a prestação de serviços com activos virtuais.

As CBDCs são a resposta a esta inovação; para os autores do estudo, é crítico que vingue junto do público. A experiência na Nigéria, com o lançamento da CBDC eNaira, a primeira no mundo, não é positiva. Para além da desconfiança dos nigerianos no seu sistema bancário tradicional (rastreio de transacções para a cobrança de impostos, privacidade…), existe sempre o receio numa divisa fiat, sempre sujeita a uma enorme inflação, em resultado da impressão massiva de dinheiro por parte do Banco Central.

É natural esta desconfiança, mesmo a moeda reserva do mundo Ocidental, o Dólar norte-americano (USD), perdeu 85% do seu valor contra o Ouro desde 2020 (ver Figura 3). É o que agora acontece em Portugal, em resultado da impressão massiva de dinheiro pelo BCE durante a crise Covid-19, uma inflação próxima dos dois dígitos.

Figura 3

Para incrementar a atractividade das CBDCs, os autores do estudo propõem a custódia própria, esquecendo-se que tal é impossível, pois significa sempre um saldo junto do Banco Central ou uma carteira (wallet) controlada por esta entidade; na verdade, uma réplica do modelo tradicional: a utilização de uma entidade terceira na guarda e transmissão de dinheiro.

Para o seu sucesso (ver Figura 4), os autores do estudo dizem-nos que a credibilidade e a confiança são críticas: isso parece ser evidente, quando se trata de dinheiro, mas, aparentemente, os nigerianos parecem não querer dar-lhes razão, tal o fracasso do eNaira.

Figura 4

No artigo do blog, para além de declarar que estão a “ajudar” na implementação das CBDCs – estranha-se o interesse! –, quando afirmam: “Agora, estamos a ajudar os Bancos Centrais a conceber, pilotar e escalar quadros de políticas inovadores para orientar a implementação de DLT (registo descentralizado de transacções), com ênfase nas CBDCs).”

Até nos confirmam a sua inevitabilidade, claro está, para o nosso bem: “Nos próximos quatro anos, devemos esperar ver muitos Bancos Centrais decidirem se irão usar o blockchain e tecnologias de registo distribuído para melhorar seus processos e bem-estar económico.”. O leitor acha o mesmo?

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