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Luís Gomes
Luís Gomes
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Primeiro, foi a Stablecoin da Luna, o UST – algorítmica; agora, foi o colapso de uma das maiores bolsas de Criptomoedas do mundo: a FTX. Segundo o portal de notícias financeiras, a CNBC, medido em volume de negociação, a FTX era a quarta maior bolsa de Criptomoedas do mundo. Alguns estimam que, em conjunto com a Binance, representava 70% do mercado de derivados de Criptomoedas.

Como começou a crise FTX?

  • Em 2017, Bankman-Fried funda a empresa Alameda Research, que tinha como objectivo especular no mercado de Criptomoedas, incluindo a utilização de instrumentos derivados; ou seja, adoptava posições alavancadas no mercado de Criptomoedas;
  • Em 2019, Bankman-Fried funda a bolsa de Criptomoedas FTX, com duas operações separadas: (i) uma nos EUA e outra (ii) no resto do mundo. Tal como a Binance, a FTX emitiu um utility token denominado FTT. Numa fase inicial, a Binance foi accionista da FTX;
  • Há um ano aproximadamente, a Binance vendeu a sua participação na FTX, deixando de ser accionista, recebendo pela venda da sua participação tokens FTT e BUSD – a StableCoin da Binance -, estimados em cerca de 2,1 mil milhões de USD;
  • Em Junho de 2022, estimava-se que o balanço da Alameda Research valia 14,6 mil milhões de USD, em que 3,66 mil milhões de USD eram tokens FTT não bloqueados, ou seja, livres de qualquer ônus, e 2,16 mil milhões de USD eram tokens FTT bloqueados, ou seja, entregues para garantia de posições com margem. Em resumo, 40% dos seus activos eram tokens FTT. Tinha um passivo de 8 mil milhões de USD;
  • No dia 5 de Novembro, alguém sabia que existiam dificuldades de liquidez com as empresas FTX e Alameda, ao serem movidos 23 milhões de tokens FTT entre duas carteiras, o equivalente, naquele momento, a 500 milhões de USD;
  • No dia 6 de Novembro, o CEO da Binance, declarava que iria vender a totalidade dos seus tokens FTT, colocando uma enorme pressão vendedora;
  • No mesmo dia, em resposta, o CEO da Alameda Research, Caroline Ellison, anuncia que compraria todos os tokens FTT a 22 USD cada na posse da Binance; claramente, alguém “aflito”, tentando demonstrar uma posição de “força” que não duraria muitas horas;
  • No dia 8 de Novembro: o pânico, com a FTX a ter dificuldades em cumprir com os pedidos de levantamentos dos seus clientes. O preço do token FTT despenca no mercado, tal como podemos observar na Figura 1; 
  • Passadas umas horas, o CEO da FTX, Bankman-Fried, anuncia um acordo com a Binance, em que esta última adquiria a totalidade da FTX, ajudando, desta forma, a resolver os problemas de liquidez daquele momento. Houve um detalhe que Bankman-Fried esqueceu-se de mencionar: a proposta de compra não era vinculativa, a Binance não tinha qualquer compromisso! O preço do token FTT entra em queda livre;
  • No dia 10 de Novembro, a FTX suspende a entrada de novos clientes e levantamentos, depois da Binance anunciar que tinha perdido a intenção de avançar com a proposta, após as primeiras averiguações à situação financeira da FTX. A situação torna-se dramática. O fim estava anunciado: a falência da FTX e da Alameda Research, com o token FTT agora a cotar abaixo dos 4 USD;
  • Em face destes eventos, a porta-voz da administração norte-americana anuncia a necessidade urgente de regular a indústria de Criptomoedas;
  • Muitas empresas que utilizavam a FTX para serviços de custódia ou para executarem operações em nome dos seus clientes começam igualmente a suspender levantamentos. À data em que escrevo, a Blockfi, uma empresa DeFi, acaba de anunciar a suspensão de levantamentos. Ainda é incerto a dimensão dos problemas associados à falência da FTX.
Figura 1. Fonte: Yahoo Finance

Que lições podemos retirar da quebra da FTX? Será que foi um problema de regulação?

O que a FTX realizou não é mais do que a prática de reservas fraccionadas, algo praticado pelos bancos comerciais há séculos. Em que consiste? Quando realizamos um depósito num banco comercial, na realidade estamos a efectuar um empréstimo à entidade; ou seja, o banco pode utilizar esse dinheiro com o intuito de obter um retorno sobre o mesmo – através de empréstimos, como é o caso de um crédito à habitação, ou de investimentos financeiros, como é o caso da compra de obrigações do tesouro ou acções cotadas em bolsa. 

Enquanto o dinheiro está aplicado, o mesmo não está disponível para os clientes. Pode até existir o risco destas “aventuras” terem um fim trágico, nomeadamente quando um crédito se torna incobrável e as garantias são insuficientes. Por essa razão, diz-se que o sistema financeiro assenta na “confiança”: se todos clientes decidem “correr” para o banco a solicitar o seu dinheiro – a conversão do seu extracto em notas e moedas -, este vai de imediato à falência. Todos os bancos, sem excepção, estão tecnicamente insolventes, o dinheiro que é indicado nos extractos de todos os clientes simplesmente não existe.

O leitor pergunta? Por que razão não assistimos a estas crises nos bancos?

Por um lado, têm um Banco Central por detrás, que na hora de uma “aflição” pode sempre emitir dinheiro do “ar” e realizar uma “injecção” de liquidez – um empréstimo à entidade em apuros -, para que o banco seja capaz de honrar os seus compromissos; por outro, existe um seguro de depósito, com uma determinada cobertura – em Portugal, 100 mil Euros -, mas que não passa de um mito, pois na verdade os recursos aí existentes são uma ínfima parte dos depósitos bancários do sistema financeiro – numa eventual crise sistémica, as pessoas dar-se-iam conta disso mesmo. 

O que aconteceu com a FTX e Alameda Research foi uma “tentativa de brincar aos banqueiros”, em que os activos dos clientes da FTX estavam a ser utilizados para investimentos especulativos através da Alameda Research; e não só? Sempre que a Alameda Research necessitava de colateral para as suas “aventuras”, a FTX emitia mais uns tokens FTT, por essa razão, o seu balanço estava pejado deles. A FTX estava a imprimir “dinheiro”, neste caso tokens, algo realizado pelos bancos comerciais na hora de realizar um crédito, para aventuras especulativas.

Um dos benefícios do mercado livre é precisamente extirpar o mercado dos “maus actores”. Essa é uma das lições: nos próximos tempos, os principais responsáveis pelas bolsas de Criptomoedas vão pensar duas vezes antes de se aventurarem nestas práticas, em particular as seguintes: (i) utilizar o token por si emitido como colateral em investimentos com margem; (ii) utilizar os activos dos clientes em aventuras especulativas. Uma corretora séria deverá ter os activos dos clientes segregados, com uma regra clara: os extractos dos clientes devem corresponder aos activos debaixo do seu controlo. Além disso, a utilização de terceiros para a custódia de activos dos clientes deverá obrigar a uma análise prévia da solvência e qualidade de gestão desta entidade.

Existe outra lição a retirar desta “tragédia”: se eu controlo o endereço – tenho a chave privada -, as Criptomoedas são minhas, só nesta situação posso realizar esta afirmação. As pessoas continuam a não compreender que as entidades centralizadas, como uma bolsa de Criptomoedas, apresentam sempre riscos, pois os endereços são controlados por estas e não pelos clientes. Uma das revoluções da tecnologia Blockchain foi precisamente esta característica: eu sou o banco, quando o acesso ao endereço depende exclusivamente de mim – conheço a chave privada.

Por fim, a necessidade de regulação. Transformar a indústria de Criptomoedas em mais um bloco de um sistema financeiro onde a prática de reservas fraccionadas prospera e está legalizada não parece ser algo positivo. Além disso, a actuação da maior força de todas deixa de existir: o mercado. 

A desgraça associada à falência da FTX servirá apenas como desculpa para a obtenção de mais poder por parte das autoridades, nada mais. Não irá resolver nenhum problema, apenas tornar o sector menos competitivo e dinâmico. A falência da FTX, ao contrário do propagado, é algo positivo: eliminou um mau actor.

Destaques Autor
img:Luís Gomes

Luís Gomes

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